13 de novembro de 2007

série voyeur - primeira parte


Eu tenho um verdadeiro fascínio pela vida alheia. É encantador observar o cotidiano. Talvez por isso eu tenha vontade de assistir a vida dos outros, de ouvir a conversa da mesa ao lado, de procurar nos noticiários vidas outras que me reconheça nelas. As janelas dos edifícios que me circundam são mundos que gosto de assistir. Não pensem que assim eu me afasto de minha própria existência, é raso de mais, nem concluam que talvez eu possa estar me projetando e todo este papo de psicologia barata, blá, blá, blá. Nem tudo tem explicação...seria muito fácil viver nestas circunstâncias.

Pra Joana nunca foi difícil....Sua vida, e todas as outras, teriam material suficiente pra encher uma biblioteca inteira de teses, lotaria um salão de baile de conversas fiadas e tomaria conta dos botecos por várias madrugadas bêbadas.
A começar pelo seu nascimento, uma noite em que nada de importante aconteceu, mas que transformaria a vida de seu pai e sua mãe, é claro.
Depois de Joana, sua mãe ainda teve 11 filhos. Moça direita que era ajudou a cuidar dos irmãos, todos comeram, dormiram e se alimentaram com a ajuda da irmã mais velha. Não que isso a agradasse, pelo contrário, além de cansada Joana se sentia injustamente castigada pela mania de parir que tinha sua mãe. Até os dezessete anos eram estas tarefas domésticas que resumiam sua vida.
Não sei se por ímpeto ou por pura razão, Joana tomou a decisão que a levaria a sentir culpa por toda a vida, mas que também a tornara uma mulher feliz: foi embora e levou consigo apenas duas mudas de roupa e algo que a alimentasse por uns dois dias, mais ou menos.
Não sei se sentiram falta dela, pra falar a verdade, nem ela saberia nos contar. Nunca mais teve notícia da família, que não era má como podem estar imaginando. Sua mãe, apesar de simples, era carinhosa e seu pai embora nunca tenha se aproximado, era trabalhador e humano. Os irmãos eram tantos que o que sobra da lembrança de cada um, não monta na memória nem uma só pessoa inteira.
Saiu pela porta da frente, com sua pequena mala de couro forrada, e andou , andou, andou, e parou. Bateu em uma porta e pediu água. Quem olhasse seus olhos naquele momento não veria além, não tinha nada pra ver, como na maioria das vezes em que olhamos nos olhos de alguém. Deram-lhe água e puseram a comentar sobre o tempo, frio a alguns dias. Agradeceu e se foi. Na cidade nunca mais tiveram notícia suas.
Hoje, sei onde ela mora pois a vi pela janela, estas mesmas que me circulam todas as noites. Fiquei o observando sua rotina, seus gestos, sua vida comum e pude até imaginar sua foto na lista de pessoas desaparecidas, lá longe, naquele tempo que nem sei se existiu. Na verdade quem batizou Joana fui eu....e que inventou esta vida passada foi esta mania que tenho de montar biografias imaginárias, catando cacos de vida que chegam até mim.

“Há em olhos humanos, ainda que litográficos, uma coisa terrível: o aviso inevitável da consciência, o grito clandestino de haver alma.” (Fernando Pessoa )

Nenhum comentário: